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10 anos da Lei de Cotas: o que mudou?

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No dia 29 de agosto de 2022, a Lei de Cotas completa dez anos de sua criação. Sancionada em 2012, a Lei 12.711/2012 determina que 50% das vagas em universidades e institutos federais sejam destinadas para pessoas que estudaram em escolas públicas.

A lei prevê a reserva de vagas para grupos específicos, como pessoas autodeclaradas pretas, pardas e indígenas (PPI) e candidatos de baixa renda (até 1,5 salário-mínimo de renda mensal familiar por pessoa). Em 2016, houve a inclusão de pessoas com deficiência (PcD), com a criação da Lei n° 13.409.

As instituições tinham até o ano de 2016 para o cumprimento da lei. Foi quando 50,6% das vagas nas universidades federais foram destinadas para o sistema de cotas. Porém, apenas em 2018 o número de matrículas de estudantes pretos e pardos ultrapassou pela primeira vez a de alunos brancos, com 50,3% de matriculados. 

A lei que ajudou a democratizar o acesso ao ensino superior no Brasil deve passar por revisão ainda este ano, algo já previsto desde a sua criação. Na revisão, fatores como porcentagem de vagas por categoria podem ser modificados. 

No vídeo abaixo você confere um bate-papo sobre os dez anos da Lei de Cotas. O convidado é o cientista político Pedro Cruz, que é secretário adjunto de Inclusão da Universidade Federal de Goiás (UFG):

Como surgiu a Lei de Cotas?

Embora sancionada em 2012, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, a Lei de Cotas é resultado de lutas sociais ocorridas décadas antes de sua existência. Já nos anos 2000, surgiu o movimento de diversas faculdades federais e estaduais para implementação de ações afirmativas para pessoas negras.

Em 2002, as universidades estaduais da Bahia e do Rio de Janeiro se tornaram pioneiras na adoção de ações afirmativas para o acesso de pessoas negras nas universidades. No âmbito das universidades federais, a UnB é vanguardista desse movimento, adotando medidas de cotas desde 2004. 

Porém, Luciana Dias, doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UnB), professora e secretária da Secretaria de Inclusão da Universidade Federal de Goiás (UFG), destaca que a implementação do sistema de ações afirmativas nas universidades é resultado de lutas do movimento social organizado.

“É importante chamar a atenção para o fato de que antes dos anos 2000, a gente tinha um movimento social organizado, especialmente um movimento negro, pressionando as instituições de ensino superior para que a comunidade negra entrasse nessas universidades” – Profa. Dra. Luciana Dias

Nesse sentido, Luciana Dias afirma que toda a Lei de Cotas é resultado de uma luta do movimento social, que em 2012 encontrou um contexto político favorável para a sua implementação. 

Manoel Neto, mestre e doutorando em Direitos Humanos pela UFG, destaca a importância das ações afirmativas em nosso país. O professor enfatiza que a Lei de Cotas é uma tentativa de correção histórica de todo um processo de submissão da população negra brasileira. 

“Especialmente advindo de todo um processo de escravatura, que mesmo após a abolição a população negra ficou amplamente marginalizada socialmente, sendo direcionada para o campo das favelas e subempregos. Então, a Lei de Cotas é uma tentativa de fazer uma correção histórica e social [para a] população negra, que sempre foi marginalizada.” – Me. Manoel Neto

Sobre a categoria racial da lei, em especial para negros, é importante destacar os dados oficiais de raça no Brasil. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) |1| 2019, 42,7% dos brasileiros se declararam como brancos, 46,8% como pardos, 9,4% como pretos e 1,1% como amarelos ou indígenas.

Infográfico mostra percentual de brancos, negros, pardos, amarelos e indígenas no Brasil.
População residente no Brasil por raça ou cor, segundo dados do IBGE em 2019|2|.

Ou seja, pretos, pardos e indígenas no Brasil configuram 57,3% de nossa população. Apesar de ser maioria da população brasileira, a representação e ocupação de espaços desses corpos não se faz presente em todos os campos. No mercado de trabalho, por exemplo, ainda de acordo com dados de 2018 do IBGE, negros e pardos configuram os maiores índices de população que desistiu de procurar emprego, os chamados desalentados. 

Leia também: Pesquisa mostra que metade dos brasileiros é a favor de cotas raciais em universidades públicas

Quem tem direito às cotas?

Embora o recorte racial da lei seja um dos mais falados e debatidos, a Lei de Cotas abrange principalmente alunos que vieram de escolas públicas da rede de ensino brasileira. Nessa grande categoria existem os recortes para pretos, pardos e indígenas (PPI), para estudantes de baixa renda e ainda para estudantes com deficiência. 

Para Carina Jessica, graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), as cotas foram essenciais para sua entrada na universidade. “Mudou minha vida, é a minha carreira. Sou socióloga. Eu faço mestrado em Sociologia e se eu não tivesse passado, eu não sei o que teria acontecido na minha vida. Provavelmente, ela estaria muito diferente. Eu tenho muito orgulho disso”, contou.

Assim como Carina, que entrou pelas cotas destinadas a pessoas pardas e negras, Eveny Santos, aluna do curso de Engenharia Civil pela UFG, destaca a importância das cotas no seu ingresso na universidade.

“Se não fossem as cotas, eu não teria conseguido ter entrado na universidade, até mesmo porque eu venho de uma família com poucas condições financeiras, de classe baixa. Nunca consegui investir na minha educação (…) consequentemente, pessoas que tiveram um estudo mais avançado, que tiveram condições de investir financeiramente nesse âmbito, têm um conhecimento maior, o que gera uma pontuação maior no Enem do que pessoas que não tiveram como investir” – Eveny Santos

Assista no vídeo abaixo o depoimento do estudante Lamin Boa Morte, do curso de Ciência e Tecnologia. O jovem ingressou pelo sistema de cotas na Universidade Federal da Bahia (UFBA):

Dez anos depois, o que mudou?

Pela primeira vez, a população que se declara preta ou parda passou a representar mais da metade dos matriculados nas universidades públicas do Brasil. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), de 2018 |1| De acordo com Luciana Dias, que participou do processo de construção de cotas para da UnB, no começo dos anos 2000 a porcentagem de estudantes pretos e pardos na instituição era inferior a 1%. Hoje, segundo a professora, 30% do corpo discente da instituição é negro. 

Para a professora, a pluralização é um avanço, uma mudança que inclusive pode ser percebida visualmente. Porém, Luciana Dias também destaca a importância do aprimoramento da Lei de Cotas e das ações afirmativas dentro das universidades. 

“Esses avanços são perceptíveis, e o desafio agora é aprimorar essas ações de inclusão favorecidas pela Lei de Cotas e que precisam de outras ações e de outras políticas para efetivação de maneira radical da inclusão, inclusive racial, das universidades. Outro desafio é a revisão da Lei de Cotas”, disse. 

Leia também: Como funcionam as cotas raciais?

Revisão da Lei de Cotas

Sobre a revisão da lei, Manoel Neto explica que a própria legislação não especifica quais aspectos seriam inalterados e quais são aqueles passíveis de revisão. Porém, destaca que pode ocorrer uma alteração da porcentagem total de cotas, inclusive referente a suas categorias. A garantia é que as cotas devem permanecer. 

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Desafios da Lei de Cotas

Sobre os desafios da Lei de Cotas, ambos os professores concordam que a garantia de permanência desses alunos nas universidades é prioridade. Não basta dar acesso, é preciso garantir a permanência

Geiciane Rodrigues, graduada em Ciências Biológicas pela UFG, concorda com a fala dos professores. Para a aluna cotista, o sistema de cotas garante o ingresso, mas existem diversos outros fatores durante a graduação que impedem a conclusão do caminho acadêmico do estudante, como trabalho e baixa quantidade de bolsas de auxílio financeiro. Para a aluna, a permanência dos alunos cotistas não é necessariamente garantida pelo sistema de cotas.

A Lei de Cotas é uma ação que deve vir acompanhada de demais ações. É o que defende Luciana Dias, ao afirmar que os dez anos da Lei de Cotas foram insuficientes para romper as desigualdades que ainda caracterizam as presenças negras e de outras minorias nas universidades.

É preciso investir em aprimoramento e implementar demais ações que beneficiam não apenas a população negra, mas também a população indígena, a população quilombola, os estudantes que vêm da escola pública e as pessoas com deficiência. Para a professora, o desafio é o conjunto de ações para além da Lei de Cotas. 

“Nenhuma lei ou ação isolada é suficiente para garantir a democratização ao acesso ao ensino superior nas universidades. Precisamos de um conjunto de ações.” – Profa. Dra. Luciana Dias

Notas

|1| Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) — 2018. Disponível aqui.

|2| As cores da desigualdade — IBGE (2008) — Disponível aqui.

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Fonte